Educador entrevista Paulo Bedaque
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16/03/2009
No Ano Internacional da Astronomia, o educador Paulo Bedaque chama a atenção para o analfabetismo científico e a exclusão dos indivíduos nos debates primordiais do cotidiano que envolvem o binômio ciência e tecnologia. A seguir, em entrevista à equipe do Educador, Bedaque fala sobre suas expectativas e aponta saídas para minimizar esse processo excludente.
Educador: Qual a influência da ciência e da tecnologia em nossas vidas atualmente?
Bedaque: Nosso cotidiano sofre fortes influências das descobertas científicas e das tecnologias que decorrem dela. A dependência de nossas vidas com elas pode ser vista como uma enorme e complexa teia onde as coisas estão todas interligadas.
Usamos celulares que dependem das Células de Retransmissão, que funcionam com energia elétrica geradas em usinas hidrelétricas, termoelétricas ou nucleares, que por sua vez podem trazer problemas ambientais de toda ordem, passando pelo aumento do Efeito Estufa e o conseqüente Aquecimento Global, enquanto dirigimos nossos automóveis Flex (ou não) que consomem combustíveis fósseis ou álcool e são fruto de montadoras que se servem da mais alta tecnologia disponível, muitas vezes em linhas de montagem completamente robotizadas.
Pagamos nossas contas pela Internet ou em terminais eletrônicos e nos comunicamos pelos chats da rede, e nossas caixas postais de e-mail estão cada vez mais lotadas de informações.
Enquanto conversamos nesta entrevista, milhares de pessoas estão sendo submetidas a exames de tomografia computadorizada ou a cirurgias de troca de órgãos. Nossa conversa ocorre ao mesmo tempo em que cientistas de várias partes do mundo estão decodificando nossas informações genéticas ou avançando nos projetos de vôos tripulados a Marte. Este é o panorama atual: dependência quase que total da ciência e da tecnologia.
Esta dependência nos traz duas grandes preocupações. A primeira delas é com o acesso a esses avanços, que, infelizmente, alcança apenas parte da população mundial. A outra é com o lado sombrio do par ciência/tecnologia que tem caminhado no sentido do esgotamento dos recursos do planeta. Ainda assim, este par é nosso principal aliado na busca de soluções para tudo isso.
Educador: Neste contexto, qual a importância do aprendizado de ciências para os alunos de hoje?
Bedaque: O debate de grandes questões mundiais como “Aquecimento Global” (causas antropogênicas ou não?), demais problemas ambientais, acesso à água tratada, combate à fome e à miséria, erradicação de doenças, entre outras, exige um letramento científico apurado.
Como cidadãos, somos convocados a opinar, participar, agir e votar em projetos que envolvem essas e outras grandes questões. Assim, a escola tem o papel fundamental de favorecer o desenvolvimento nos alunos das competências ligadas à “alfabetização científica e tecnológica”.
Ao lado dos conteúdos clássicos, seguramente muito importantes, é preciso criar condições de crescimento das habilidades ligadas à busca de soluções e de propostas solidárias (parafraseando o ENEM) rumo a uma sociedade mais justa e igualitária.
Veja que, desta perspectiva, o aprendizado de ciências nas escolas tem importância capital. Trata-se da Escola cumprir o papel de devolver seus alunos para o mundo aptos a compreendê-lo e inserir-se nele.
Educador: Em especial, como se insere o aprendizado de astronomia neste contexto?
Bedaque: Primeiramente, eu gostaria de destacar o panorama histórico dos conhecimentos astronômicos. Eles nos acompanham desde o surgimento de nossa espécie. Para os povos antigos, a observação dos astros teve importância prática e religiosa. A necessidade de marcar o tempo (o dia, as estações do ano) é um exemplo de aplicação prática dos conhecimentos astronômicos. A crença na possibilidade de previsão pelos astros gerou uma atividade chamada astrologia. Fenômenos naturais eram frequentemente explicados com base nos conhecimentos dos astros. A astronomia é, na verdade, uma das ciências mais antigas dentre aquelas criadas pela humanidade.
Em segundo, gostaria de enfocar os nossos limites, os nossos horizontes. Para as culturas primitivas, o mundo se resumia à pradaria ou floresta onde viviam. Alguns grupos se arriscaram a ampliar seus horizontes e migraram, formando países e povoando toda a Terra. Hoje, o planeta está todo integrado pelos meios de transporte e as modernas tecnologias de informações e comunicação. Recentemente, fomos ao espaço, alargando ainda mais nosso “mundo”. Deixamos de ser “meros” cidadãos terráqueos e nos candidatamos a “cidadãos do Sistema Solar”. Nossos horizontes parecem não ter fim.
Afora os aspectos antropológicos, as leis físicas são as mesmas, seja aqui na Terra, seja no interior de uma estrela. Assim, compreender como uma estrela funciona, por exemplo, nos leva a entender melhor fenômenos como a fusão termonuclear que nos explica como os elementos químicos se formaram. Estudar os cometas pode nos levar a compreender melhor como surgiu o Sistema Solar e, portanto, como surgiu o nosso planeta.
Resumidamente, podemos dizer que o espaço é um grande laboratório, regido pelas mesmas leis físicas que observamos aqui na Terra, mas com condições que dificilmente poderíamos reproduzir aqui. Trata-se de entender melhor o universo em busca de nós mesmos.
Educador: Quais são suas expectativas para o Educador 2009, que chega a 16ª edição discutindo o desafio urgente da qualidade?
Bedaque: A temática proposta pelo Educador 2009 é muito oportuna. Como educadores que somos, sabemos que a educação em nosso país tem ainda uma larga distância a percorrer rumo à qualidade. E não temos muito tempo. Como exemplo, lembramos que a OCDE promove, a cada três anos, uma prova internacional chamada PISA, destinada a estudantes de vários países, com idades ao redor de 15 anos, com questões de matemática, ciências e leitura. Nas três versões do PISA (2000, 2003 e 2006) nosso país tem ocupado incômodos últimos lugares.
Hoje em dia, a qualidade da educação faz parte das receitas de desenvolvimento, seja ela qual for. Saber tornou-se obrigatório. Assim, temos que correr contra o tempo em busca da qualidade. Como as mudanças em educação são lentas, é preciso ações urgentes. Ainda assim, teremos que aguardar pelos resultados. Me pergunto se temos o direito, como sociedade organizada e democrática que somos, de ofuscar o futuro de nossos jovens.