Paulo Bedaque

Hoje levantei ainda sonolento, a noite foi quente e o sono não veio generoso como sempre. Levantei cambaleante, procurando pelo equilíbrio e pelo chão firme que insistia em fugir de meus pés. Busquei pelo jornal lido pela metade e bati os olhos nas principais manchetes, como sempre faço quando o sono escapa pela madrugada. Ainda tonto de sono as frases que lia me lembravam quadros de Dali, pintados com uma lógica não é a habitual. As notícias não me pareciam normais e lidas da véspera devem ter me dado outras informações.

Uma dessas notícias retumbou em mim: “Militar casado com iraquiana será expulso”. Sem os pés firmes no chão, tentei imaginar os fatos que culminaram naquela notícia. Como sabemos, os americanos, com o auxílio de seus aliados ingleses, invadem o Iraque com a firme intenção de derrubar o regime de Saddam Hussein. Motivados pelas informações débeis sobre a existência de armas químicas no Iraque, atenderam ao chamado divino para mais uma vez, “salvar” a humanidade.

Posso avaliar o ódio contra os inimigos iraquianos que foi depositado na cabeça dos soldados ocidentais nos necessários treinamentos para a guerra. Feitos os preparativos e atropelando a comissão de segurança da ONU, as forças americanas e inglesas, partem para a antiga Mesopotâmia, numa “cruzada pela democracia e pelo bem estar do planeta”, como se o mundo não conhecesse seus reais interesses pelo petróleo daquelas terras.

Em meio a esta guerra, que não acabou, um soldado americano se apaixona por uma jovem iraquiana. Ela, uma médica de 25 anos, ele um sargento de 27 que quer se formar em nutrição. Um foi para matar os “inimigos da humanidade” mas quer salvar a “parte boa” dela depois de formado. O outro defende com a vida suas terras que já foram um dia invadidas por Alexandre. Nos intervalos salva pessoas nos hospitais de seu país.

Mas neste caso a lógica foi outra, como aquela que me assaltou no meio da noite e burlou todos os propósitos dos invasores e dos invadidos. Num passe de mágica a humanidade voltou a ser única. O incrível encanto que pode tomar conta de um homem e uma mulher que se olham na alma, falou mais alto do que os ensinamentos na caserna. Soldados do amor, a guerra para eles perde o sentido. Para eles o mundo ainda não perdeu a cor. Ao contrário, a vida parece começar agora surgindo das bombas que um atirou no outro. Mas a razão do quartel não pode suportar tamanha ousadia e nosso nutricionista foi expulso do exército americano. Tal um desertor covarde, foi banido das fileiras do “bem”.

Em verdade, a expulsão do sargento ocorreu por ter ele desobedecido às ordens de seu superior de permanecer na patrulha e ter se ausentado para casar. A punição não veio por ter ele se casado. Detalhes à parte, sobrou para mim a terna lição desta história de amor. Às favas as bombas, as discussões da comissão de segurança da ONU, os desentendimentos entre governos, a luta por petróleo e por poder. Quando o que está em jogo é o amor verdadeiro entre duas pessoas, não há guerra no mundo que os separe. Sejam felizes. E para sempre.