O povo Maia
Paulo Bedaque
Introdução
Em julho de 1996, estive visitindo a cidade mexicana de Cancun, na península de Yucatan, com duas finalidades: conhecer este famoso centro turístico (que é realmente imperdível) e ter a chance de visitar algumas das ruínas das principais cidades maias da península que outrora serviu de palco para uma das mais fantásticas civilizações de nossa história. Voltei em 2002, quando pude visitar também as ruínas astecas do México Central, além de revisitar os territórios maias.
O mapa ao lado mostra o mundo maia que se desenvolveu em Yucatan, em áreas que hoje pertencem ao México (a maior parte dela), Guatemala, Belize, parte de Honduras e de El Salvador.
A primeira grande surpresa que tive foi descobrir que, ainda hoje, existem cerca de 350 000 maias vivendo lá, guardando ainda seus antigos costumes e falando a língua maia cotidianamente. Em alguns “pueblos” grande parte das pessoas falam exclusivamente a língua maia e aqueles que tem contato com turistas falam também o espanhol e algumas vezes, o inglês.
Ainda hoje vivem em pequenas cabanas cobertas de sapé, de modo semelhante aos tempos em que os espanhóis chegaram à península. A foto abaixo mostra uma dessas moradias típicas e ao lado alguns maias típicos dos tempos atuais. São vistos como indígenas pelos habitantes desses países e sentem-se extremamente discriminados. Para um povo com a tradição do maias, nos soa estranho esta situação de quase completo abandono.
Ainda hoje, muitos dos maias vivem em pequenas choupanas, como a mostrada na foto acima, à moda dos tempos antigos. Eles de certa forma, mantém a tradição de seu velho modo de vida.
A foto mostra mulheres maias atuais fazendo compras na feira de um pueblo (povoado). Observem as típicas roupas coloridas. Você pode visitar a Galeria de Fotos do povo Maia neste blog. Os maias são de baixa estatura e têm a pela escura, amorenada. Nas fotos mostradas é possível averiguar o aspecto típico do nariz dos maias, mais alongado e esparramado, muitas vezes se sobressaindo entre os olhos.
Podemos encontrar nas ruínas das cidades cerimoniais maias representações das antigas habitações e que se assemelham com as atuais, como pode ser observado nas duas fotos acima. Certamente aos grandes sacerdotes e seus séquitos, eram destinadas habitações mais nobres, com conforto e requinte maiores. Essas choupanas eram destinadas às castas mais baixas da sociedade maia.
Como já dissemos, os maias eram (e são) baixos, de cor morena e têm uma nariz de perfil inconfundível. Essas características podem ser observadas ainda hoje. Observe o alto relevo ao lado, encontrado em uma das muitas ruínas, mostrando o perfil de um maia. Repare no garoto maia de hoje, que aparece junto à choupana logo acima, como seu nariz lembra o dos antigos maias.
O território maia tem uma característica geológica interessante: seu solo é rico de uma rocha, chamada pedra caliza, que faz dele um solo muito ruim para a agricultura. A água das chuvas não para no solo, formando lagos, mas passa pela pedra caliza e é armazenada no subsolo. Em alguns pontos da superfície, formam-se aberturas naturais que dão acesso à água e que os mexicanos chamam de cenotes. Alguns desses cenotes eram considerados sagrados e se acreditava que serviam de morada para certos deuses. Eram comuns os sacrifícios humanos nesses locais.
A foto abaixo mostra um importante cenote sagrado na península de Yucatán, México, nas proximidades de Cancun. Imaginem vocês quantas centenas de pessoas morreram nos rituais de sacrifício humano neste poço.
A representação artística acima mostra cenas de sacrifício de jovens mulheres, que são atiradas em um fosso para morrer. Em alguns rituais de sacrifício humano, feitos pelos sacerdotes nos centros cerimoniais, o coração do sacrificado era arrancado de seu peito e oferecido aos deuses. Os maias acreditavam que tais sacrifícios poderiam abrandar a ira dos deuses e com isso conseguir melhores resultados na agricultura, nas guerras contra seus inimigos etc.
Entre os maias existia um jogo bastante popular conhecido hoje como “juego de la pelota” ou o jogo da bola. O jogo consistia em passar uma bola elástica por dentro de um anel de pedra colocado verticalmente preso a um muro. Parecido com o bola ao cesto, mas a bola não era jogada com a mão e sim impulsionada por um cinto grosso que os jogadores usavam. Batia-se na bola portanto com a cintura e não com as mãos. Cada “gol” era conseguido ao se passar a bola pelo orifício. O capitão da equipe perdedora (alguns dizem que da era o capitão da equipe vencedora) era decapitado em honra aos deuses, algo muito difícil de ser entendido pela nossa cultura.
Abaixo, nas duas próximas ilustrações, representações artísticas mostram a decadência do palácio de Sayil, uma das cidades maias.
Quando os espanhóis chegaram em Yucatán, os maias se encontravam em decadência e sobrara pouco daquela poderosa civilização. Nesta época, por motivos ainda não totalmente esclarecidos, as cidades cerimoniais já haviam sido abandonadas pelos grandes sacerdotes. Restara o povo sem os conhecimentos acumulados por séculos. A invasão européia destruiu o que sobrou das grandes cidades, como mostra o quadro ao lado. Os documentos escritos maias foram quase que todos queimados em praça pública, em nome da nova cultura que se instalava. Seus tesouros foram pilhados e sua história esfumaçada. O que se conhece hoje dos maias foi fruto de um intenso trabalho de recuperação de arqueólogos, historiadores e outros pesquisadores.
Um pouco da história maia
A história do povo maia começa há milhares de anos, quando povos provavelmente vindos da Ásia pelo estreito de Bering (estreito que separa a Ásia da América), ocuparam a América do Norte e Central. Estudos realizados na língua maia levam à conclusão de que ao redor de 2 500 a.C., vivia um povo protomaia, na região de Huehuetenango, na Guatemala. Há cerca de duas horas de Cancun, encontram-se as ruínas da antiga cidade cerimonial de Chichén-Itzá, que floresceu no auge da civilização maia-tolteca. Seu mais importante sacerdote foi Kukulcan (a serpente emplumada), provavelmente vindo do México central onde era conhecido como Quetzalcóatl (ver período maia-tolteca logo abaixo). Ao que tudo indica, Kukulcan foi mesmo um personagem histórico e que morreu e foi enterrado na península de Yucatan. Acreditava-se que ele encarnava o espírito da serpente emplumada cuja cabeça está representada no quadro ao lado e surge com freqüência nas ruínas maias deste período.
Acima, quadro feito por Frederick Catherwood em meados do século XIX mostrando de El Castillo, a grande pirâmide de Chichén-Itzá, quando o mundo descobriu o fantástico mundo maia. Chichén-Itzá é a mais fantástica cidade maia-tolteca; visita obrigatória a todos que vão a Cancun.
Abaixo, foto atual de El Castillho em Chitzen-Itza, que recebe milhares de turistas todos os
anos, vindos de todas as partes do mundo.
A história da civilização maia é dividida em período pré-clássico ou formativo, período clássico, período de transição, período maia-tolteca e período de absorção mexicana.
Período Clássico (325 d.C. a 925 d.C.) – Costuma-se subdividir este período em clássico temprano (325 d.C. a 625 d.C.) que corresponde ao período em que cessaram as influências externas e os maias se firmaram como povo. Neste período surgiram formas tipicamente maias na arquitetura como o arco corbelado e o registro de datas históricas com o uso de hierógrifos, em florescente (625 d.C. a 800 d.C.), quando as manifestações culturais chegaram ao seu esplendor cultural. Foi a época dos grandes avanços na matemática, na astronomia, na escrita, nas artes e na arquitetura e o Colapso (800 d.C. a 925 d.C.), época em que misteriosamente a cultura maia se deteriorou e os centros cerimoniais foram abandonados.
Período de Transição (925 d.C. a 975 d.C.) – este período marca a queda livre da civilização maia e o nível cultural, misteriosamente, caiu quase que ao nível do período pré-clássico.
Período Maia-Tolteca (975 d.C. a 1 200 d.C.) - Época de grande esplendor, mas agora sob forte influência da cultura tolteca, que chegou do centro do México, trazendo consigo o mito de Quetzalcóatl.
acima: placa dirigida a turistas escrita em três línguas (espanhol, maia e inglês).
Em Chichén Itzá (próximo a Cancun) a influência tolteca é muito forte. A principal pirâmide, chamada El Castillo, que ocupa a região central das ruínas, foi construída pelos toltecas. O observatório astronômico El Caracol, também é deste período (foto abaixo). Viveu-se nesta época o mito de Quetzalcóatl, chamado pelos maias de Kukulcán, a serpente emplumada, o homem-pássaro, um dos mitos mais interessantes da história da humanidade.
Vejam abaixo representações artísticas mostrando El Caracol hoje e, em seguida, em todo o seu esplendor, no auge da cidade.
Nesta época, houve grande avanço nos conhecimentos astronômicos dos maias que construíram o mais preciso calendário existente. Os maias desenvolveram um sistema numérico próprio, sem o qual não seria possível os avanços científicos. Observe o quadro abaixo. Facilmente você poderá entender como os números eram escritos. Reparem que eles descobriram também o número zero. Além deste modo de representar números, eles tinham um outro sistema, mais próximo dos hieróglifos. Eles podem ser observados no papel de parede desta página. Cada número era representado por uma cabeça diferente, mas não tão diferente para nó aponto de podermos ler tais números com facilidade.
O alto relevo abaixo mostra um sacrifício humano onde um homem é dacapitado.
Pode-se observar o sangue espirrando de seu pescoço em jatos fortes.
O povo maia era fundamentalmente um povo guerreiro. Mesmo entre eles, lutavam com crueldade pelo domínio das regiões. O quadro abaixo mostra momentos de guerra desse povo.
Período de Absorção Mexicana (1 200 d.C. a 1540 d.C.) – nesta época surgiram vários conflitos, as alianças entre os vários grupos foram sendo quebradas e houve uma série de enfrentamento bélico que dividiu as populações e empobreceram ainda mais a cultura. Quando os espanhóis chegaram à região maia, as grandes cidades cerimoniais já haviam sido abandonadas, a cultura estava em total decadência. Restava pouco daquela que foi uma das mais fantásticas civilizações que o mundo já teve. O tempo foi implacável. Nos roubou para sempre esse tesouro. Restam as lembranças que as ruínas guardaram para nós.
Visitantes subindo as escadarias do El Castillho, nas proximidades de Cancun, no México.