As várias pessoas em Fernando Pessoa
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim,.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fôssem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fôssem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fôssem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fôssem como tu queres, seriam só como tu queres.
Aí de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
(Poemas Inconjuntos [262] de Alberto Caeiro)
Um pouco sobre o poeta
Uma biografia de Fernando Pessoa seria na verdade uma coleção de biografias. Uma dele próprio; outras tantas para seus heterônimos. Alberto Caeiro, Álvaro de Campo, Ricardo Reis, Bernardo Soares, só para falar em alguns destes heterônimos, que não são pseudônimos como alguns pensam, mas escritores com personalidades e estilos próprios, com vida e história independentes dos demais. A genialidade de Pessoa era tamanha que não cabia em um só homem; eram necessários vários poetas, várias cabeças para dar vazão a tanta criatividade, ao transbordamento de ideias que o acometia. Grande conhecedor da língua portuguesa, ela própria brincou com seu sobrenome: Pessoa. Talvez Pessoas fosse mais adequado, para um poeta que era habitado por tant os outros.
Fernando Antônio Nogueira Pessoa, nasce em 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa, Portugal. Segundo ele próprio nos conta, no ano seguinte nasceu Alberto Caeiro, o poeta do campo e da natureza e também Álvaro de Campos, o engenheiro. Quando tinha cerca de 5 anos, seu pai morre com apenas 43 anos. Em 1894, então com 6 anos de idade, cria seu primeiro heterônimo: Chevalier de Pas. Em 1896, parte com sua família para Durban, África do Sul. Vão morar com o novo marido de sua mãe, o comandante João Miguel Rosa, cônsul interino de Portugal naquele país. Lá Fernando Pessoa vai aprender inglês e francês, línguas em que escreverá alguns poemas e grandes trabalhos de tradução. Com 14 anos de idade, em 1902, escreve o poema “Quando ela passa”, presente em nossa seleção de poemas.
Em 1905, parte sozinho para Lisboa onde pretende se inscrever no Curso Superior de Letras. Embora tenha ingressado no curso, jamais o terminou. A partir de 1912 (ano em que nasce Ricardo Reis em sua cabeça), Pessoa entra numa fase bastante produtiva colaborando com a revista Águia, onde publica uma série de artigos e poemas. Sua obra e sua vida foram permeados por ligações com as chamadas ciências ocultas, o que pode ser percebido em muitos de seus poemas. Em 1930 inicia uma troca de correspondência com o “mago” inglês Aleister Crowley que neste mesmo ano vai à Lisboa visitar Fernando Pessoa. Vinte e três dias depois de sua chegada, Crowley desaparece misteriosamente. Em homenagem ao inglês, Pessoa traduz e publica o poema “Hino a Pã” escrito por Crowley.
Pessoa nunca se casou. Teve por algum tempo um namoro com Ophélia, mas acabou por desistir do namoro para casar-se com a literatura. Embora tenha escrito e publicado dezenas de artigos, ensaios e poemas em seus anos de vida, por incrív el que pareça, ele que é um dos maiores poetas da língua portuguesa, publicou apenas um livro em vida, o “Mensagens” em 1934. Com este livro participou de um concurso literário chamado “Antero de Quental” e ganhou o segundo premio (”segunda categoria”), cabendo o primeiro premio ao livro “Romaria” de Vasco Reis. Em janeiro de 1935 pensa em mudar-se para as cercanias de Lisboa para compor seu primeiro grande livro a ser publicado, o que não aconteceria. Em 29 de novembro deste ano, Fernando Pessoa é hospitalizado com uma cólica hepática. No dia seguinte, 30 de novembro de 1935, com apenas 47 anos de vida, falece Fernando Pessoa. Morrem neste instante, todas as pessoas que viviam dentro dele. Nós próprios morremos um pouco.
Não deixe de ver, ao final desta página, a galeria de fotos e ilustrações do poeta.
Poemas escolhidos
1 – Fernando Pessoa “ele mesmo”