Paulo Bedaque em pessoa

Paulo Bedaque

“A ciência é clara. No inicio do ano, cientistas de todo o mundo nos mostraram isso com uma clareza sem precedentes. A mudança climática é real. Seu impacto pode ser devastador e até catastrófico pelas próximas décadas. Sabemos o que deve ser feito. Temos a tecnologia para fazê-lo. Não há mais tempo a perder”. (Ban Ki-Moon – secretário geral da ONU – Folha de S. Paulo – 24/set/07)

Qual é a Terra que queremos deixar para as próximas gerações? Evidentemente, não é uma Terra devastada, destruída, esgotada, mas um planeta saudável, vivo, sustentado. Não é a toa que a ONU escolheu 2008 como o Ano Internacional do Planeta Terra, incentivando os estudos e divulgação das várias áreas ligadas às geociências. Dentro deste contexto, nada mais atual que os assuntos relacionados ao aquecimento global, este “vilão” que hoje é acusado de qualquer onda de calor em qualquer rua do mundo. “Que calor, esse aquecimento global me mata!”. Mas será que é isso mesmo? Já podemos sentir tão claramente seus efeitos? E a escola, que contribuição pode dar para que nosso planeta receba o tratamento que merece? E sobre o aquecimento global, alunos e professores podem contribuir?

O EFEITO ESTUFA É BENÉFICO

Nosso planeta recebe constantemente radiação eletromagnética, em especial vinda do Sol. Embora praticamente todo o espectro eletromagnético (raios gama, raios-x, ultravioleta, luz, infravermelho, microondas e ondas de rádio) chegue até as altas camadas da atmosfera, os gases funcionam como uma espécie de filtro e deixam passar especialmente a luz visível, aquela que nos permite enxergar os objetos. Quando esta luz atinge a superfície do planeta, parte dela é refletida de volta para o espaço. Por esse motivo é possível enxergar a superfície da Terra quando vista do espaço. Porém, parte desta luz é absorvida pela superfície do planeta e re-emitida em forma de calor. Acontece que a atmosfera é transparente à luz, mas alguns gases são opacos às ondas de calor. Portanto, parte da luz que entrou não consegue voltar para o espaço. Esta energia que permanece aqui aquece nosso planeta e é a responsável pelas temperaturas médias que sustentam as condições de vida. Além disso, o efeito estufa faz com que não haja grandes diferenças de temperatura entre o dia e a noite. Para ser ter uma idéia, na Lua, que por não possuir atmosfera não tem efeito estufa, as temperaturas durante o dia nas regiões equatoriais chega a 110 ºC e, no mesmo local à noite, a temperatura cai para incríveis – 170 ºC. Que tipo de vida suportaria variações tão grandes de temperatura dentro de um mesmo dia?

Ao contrário do que muitos pensam, não haveria vida na Terra, como a conhecemos, se não houvesse o efeito estufa. Ele nos é benéfico. Graças a ele a temperatura média da Terra gira ao redor de 15 ºC, mas seria de -17 ºC sem ele.

O PROBLEMA É O AUMENTO DO EFEITO ESTUFA

O efeito estufa é fruto da ação de alguns gases, presentes na atmosfera e que em geral são compostos de carbono, como o gás carbônico (CO₂) e o metano (CH₄). Eles surgem na atmosfera por causas naturais (incêndios florestais, metabolismo animal, etc.), mas também pela ação humana quando provoca queimadas, quando utiliza combustíveis fósseis, quando cria bovinos (que liberam grandes quantidades de metano) etc. Se de um lado alguns processos aumentam a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera, por outro lado, as plantas têm o importante papel de aprisionar grandes quantidades de carbono enquanto realizam a fotossíntese, quando o gás carbônico do ar reage com a água, liberando oxigênio e produzindo glicose. As plantas ficam com o carbono e devolvem oxigênio para o ar.

Tudo estava bem até 150 anos atrás; havia um equilíbrio térmico na natureza. Se de um lado havia emissão de carbono (queremos dizer compostos de carbono), havia também seu re-aprisionamento pelas plantas, num ciclo que não alterava significativamente a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera, num ciclo de não alterava a temperatura média da Terra. Mas chegou a revolução industrial. Com fome de energia, o mundo moderno passou a desenterrar carbono que estava preso no subsolo há milhões de anos na forma de petróleo e carvão. Com fome de matéria prima, passamos a destruir as florestas e a queimar lenha. Aqui, um duplo prejuízo; de um lado aumentamos a emissão de carbono queimando lenha e de outro, matamos as plantas que re-absorviam carbono.

Chegamos ao aquecimento global, que é o aumento do efeito estufa além de nossa capacidade de adaptação. Maior produção e menor fixação de CO₂ leva ao aumento do CO₂ atmosférico, que por sua vez leva ao aumento do efeito estufa e é isso que chamamos de aquecimento global. Hoje não temos dúvidas de que ele é fruto da ação humana. Nosso estilo de vida, nosso modelo de civilização, nossa cultura de consumo está levando o planeta a uma febre que pode ser fatal.

Os gases de efeito estufa têm o poder de impedir a saída das ondas de calor em diferentes graus. Observe a tabela abaixo:

Assim, não só o gás carbônico, mas outros compostos são “vilões” no aquecimento global. Vejam, por exemplo, o metano, que é 21 vezes mais poluente (do ponto de vista do aquecimento global) que o gás carbônico. Ele é produzido por plantas em decomposição, mas também é emitido em grande quantidade pelo pelos rebanhos bovinos do mundo.

Estima-se que nesses 150 anos a temperatura média do planeta tenha subido 0,75 ºC. Este valor é suficiente para provocar sérios problemas como derretimentos de geleiras “eternas” e da neve antes tida como permanente em algumas montanhas, como o Kilimanjaro, na África. Na Groelândia, surgiram lagos sobre as geleiras, formados pelo gelo derretido pelo aquecimento global. Dizem os especialistas do IPCC (Painel da ONU que trata das mudanças climáticas) que se toda a neve da Groelândia derretesse, o nível do mar subiria em 7 metros, em todas as praias do mundo. Este fato é conhecido como “efeito Groelândia”. Mas, felizmente, estamos longe disso e acreditamos que a humanidade vai conseguir vencer o desafio que as mudanças climáticas estão apresentando. Se continuarmos no nível de emissão atual de carbono, a temperatura média poderá subir entre 1,4 ºC e 4 ºC.

VANTAGENS NO USO DO ÁLCOOL E BIODIESEL

A queima de derivados de petróleo devolve à atmosfera carbono que estava confinado há muito tempo, criando um desequilíbrio no efeito estufa. Já o álcool e o biodiesel formam um ciclo menos poluente. Quando plantas (seja cana, soja, algodão, dendê, mamona ou outra qualquer) crescem, elas retiram carbono do ar. Queimados os combustíveis, devolve-se este carbono ao ar, mas na contabilidade final, não se contribuiu para o aumento do efeito estufa.

Assim, estamos num bom caminho quando optamos por biocombustíveis. Evidentemente estamos nos referindo ao efeito estufa por que a queima de qualquer combustível sempre traz problemas ambientais na bagagem.

O QUE A ESCOLA TEM COM ISSO?

Pesquisas feitas pelo Clube de Roma mostram que as pessoas estão mais preocupadas com o seu entorno e com os acontecimentos de curto prazo. O gráfico ao lado mostra este resultado. Muitas pessoas estão preocupadas com suas famílias nas próximas semanas. As preocupações diminuem quando os problemas não são ligados à nossas casas, mas ao mundo com um todo. Muitas pessoas estão preocupadas com a semana seguinte, mas poucas estão preocupadas com o final do século. Poucas pessoas estão preocupadas com o distante no tempo e no espaço.

fonte: Clube de Roma

Outra pesquisa nos mostra (ver o segundo gráfico) que há modos de alterar este quadro de interesses. A curva número 1 reflete o fato que discutimos acima. A conscientização das pessoas começa a alterar esta realidade (curva 2). Com ela, mais pessoas podem se interessar por problemas mais longínquos. Mas a educação tem um poder maior ainda (curva 3). Ela pode reverter a curva original e fazer com que muitas pessoas se preocupem com problemas distantes no tempo e no espaço.

fonte: Clube de Roma

Este por si só já é um argumento fantástico a favor da educação como processo para reverter nossa posição diante dos sérios problemas ambientais que enfrentamos. Cabe à escola formar pessoas com espírito científico, livres de preconceitos e capazes de viver e participar ativamente das discussões de seu tempo.

Queiramos ou não, nossas vidas são pautadas pelos avanços científicos e tecnológicos, com algumas conseqüências desejáveis e outras indesejáveis. A inclusão no mundo atual exige que se saiba pensar cientificamente. Não se pode aceitar hoje em dia que um estudante deixe a escola sem pensar o mundo natural sob a perspectiva da ciência, sem o letramento que o capacite a tomar decisões lógicas e baseadas em verdades científicas.

Temos um enorme desafio a vencer nas próximas décadas, mas ele não é um dragão invencível. Devemos mostrar aos nossos estudantes uma visão otimista quanto ao nosso futuro, ainda que tenhamos que rever nossas relações com a natureza, com o mundo do consumo, com a exploração até a exaustão de nosso planeta que, até onde sabemos, é o único palco onde a vida surgiu.