A pedagogia do hamburger
Paulo Bedaque
É sabido por todos que a educação no Brasil, em especial a pública, não anda bem das pernas, já por várias décadas. Entra governo e sai governo e a questão não é atacada de frente, ainda que faça parte da pauta de todos os palanques em épocas de eleição. Neste contexto de deficiências, ações que auxiliem na mudança deste quadro, são sempre bem-vindas, venham de onde vierem. Venham da parte de empresários ou de ONGs, de bancos ou de outras instituições financeiras ou mesmo de uma rede de lanchonetes, toda a ajuda para melhorar a educação em nosso país deve ser festejada. Mas há que se tomar alguns cuidados ou a ajuda se transformará num desserviço à educação das pessoas.
As lojas da rede MacDonald’s, por exemplo, aproveitam as toalhas de papel de suas bandejas como veículo de divulgação de assuntos variados. O que poderia ser uma boa idéia e um interessante serviço de divulgação cultural acaba por se transformar num instrumento nocivo pela falta de cuidado na seleção dos dados apresentados às crianças e jovens que consomem seus hambúrgueres.
Vejamos, como exemplo, a atual “toalha cultural” cujo tema é a água. Além de informações de caráter folclórico apresentadas como verdades incontestáveis (“Vampiros não gostam de água corrente” ou “Choveu 40 dias e 40 noites depois que Noé construiu a Arca”), jogadas no meio de dados pretensamente científicos, algumas se contradizem e são um prato cheio para uma aula de ciências em que se pretenda desenvolver nos alunos um espírito crítico com respeito ao que se lê por aí. Exemplo: “Mas, se dividirmos somente a água potável entre as mesmas pessoas (habitantes da Terra), cada uma teria direito a apenas 5 litros de água”. E mais adiante: “Chovem 16 bilhões de litros d’água por segundo pelo planeta Terra”. Muito bem; considerando verdadeira esta informação, que a água de chuva é potável (apesar da pequena acidez) e que vivem na Terra cerca de 6 bilhões de habitantes, chove por segundo cerca de três litros por habitante. Em dois segundos chove 6 litros para cada habitante. Em 10 segundos chove 30 litros. Mas como, se a informação anterior era de que só existe 5 litros de água potável para cada habitante em nosso planeta? Mais adiante se afirma que “1 quilômetro cúbico tem 1 milhão de litros de água” o que não é verdade. Um quilômetro cúbico equivale a um trilhão de litros, seja de água ou de qualquer outra coisa. Afirma-se também que “É preciso mais calor para ferver um litro de água nos Andes do que em Santos”. Outra informação errada. Ocorre que em Santos, que está ao nível do mar, a água ferve a 100 ºC e esta temperatura decresce com a altitude. Nos Andes a água ferveria a uma temperatura menor que este valor em função da menor pressão atmosférica. Assim, se considerarmos 1 litro de água a uma certa temperatura inicial, ocorre exatamente o contrário do que se pretendeu ensinar às crianças: É preciso menos calor para ferver um litro de água nos Andes do que em Santos.
Não tenho dúvidas que a idéia da rede MacDonald’s continua sendo bastante interessante e deve ser preservada. Porém, para não permitir a crítica de que sua intenção é puramente publicitária e desvinculada de compromissos com a educação, sugerimos que redobrem os cuidados nas escolhas dos temas e de seus conteúdos. Como dissemos de início, toda ajuda para a melhoria da educação em nosso país deve ser festejada.